ECONOMIA – EXPRESSO | 19.08.2022

ECONOMIA – EXPRESSO | 19.08.2022

CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL

RECONVERSÃO ENERGÉTICA DOS EDIFÍCIOS ESTÁ A FALHAR

Ao atribuir Vales Eficiência para aquisição de equipamentos, o Governo “tapa buracos” e não resolve a génese do problema, diz Aline Guerreiro, do Portal da Construção Sustentável.

Por Elisabete Soares – Semanário Expresso

Os fundos públicos destinados aos programas de apoio à eficiência energética dos edifícios estão a apresentar uma fraca adesão e são várias as razões que justificam este facto, refere. em declarações ao Expresso. Aline Guerreiro, arquiteta e fundadora do Portal da Construção Sustentável (PCS). “Há duas grandes falhas na atribuição destes incentivos”, destaca. Por um lado, porque o valor “do financiamento tem. obrigatoriamente. de ser liquidado antes da submissão da candidatura. Ou seja, é necessário realizar a obra, antes de obter o financiamento”. Por outro, porque “deveria ser obrigatório recorrer a consultores especializados na área da construção sustentável” e estes “deveriam ser suportados pelo Governo, e assim poderem recomendar os materiais mais sustentáveis e as soluções construtivas mais

adequadas a cada caso”. Basta referir que no caso dos Vales Eficiência, o programa de apoio mais conhecido e que foi criado para ajudar as famílias carenciadas a tornar as suas casas mais eficientes, só 11% desses vales (com um valor de 1300 euros cada) tinham sido efetivamente utilizados até meados de maio, de acordo com os dados divulgados pelo Ministério do Ambiente.

Medidas são para “tapar buracos”

A responsável da PCS — consultora que nasceu em 2010 e que tem acompanhado toda a problemática relacionada com as questões ambientais e pugnado pela necessidade de implementar medidas para reduzir o consumo de recursos naturais — destaca que “o erro” que surgiu após o primeiro fundo ambiental para edifícios mais sustentáveis “foi a atribuição de vales de eficiência energética às famílias pobres”. Frisa, “a pobreza energética resolve-se com casas bem construídas e devidamente isoladas, só depois se deve investir em equipamentos, se necessário”.

Alerta para o facto de que uma “família em situação de pobreza energética não tem, na maioria dos casos, hipótese de realizar a obra sem qualquer apoio”. Assim, os apoios vão “privilegiar não quem está verdadeiramente necessitado, mas sim todos aqueles que têm possibilidade de investir em obras em casa”.

“Lóbi dos materiais baratos’’

Segundo Aline Guerreiro, “a nova construção tem dado alguns passos no caminho de uma maior qualidade na execução da obra, todavia os materiais continuam, em termos de sustentabilidade, a serem os menos adequados”. Considera que deveria ser obrigatório, por exemplo, proibir os combustíveis fósseis no isolamento de edifícios e caixilharias, mas isto não acontece. “É quase um ‘lóbi’ por serem materiais com preços muito

 

NÚMERO

11%

é a percentagem de Vales Eficiência utilizados até meados de maio pelas famílias em Portugal

acessíveis e com um bom índice de condutibilidade térmica para isolar, mas depois há todo o reverso da medalha, são materiais com uma durabilidade dúbia, que ardem facilmente e com grandes necessidades de manutenção, o que não é nada sustentável”, acusa. Na sua opinião, nos edifícios existentes a fórmula é a mesma. Deve isolar-se sempre que possível pelo exterior dos edifícios (dependendo da orientação solar e do clima da zona) e colocar caixilharias com corte térmico e vidros duplos, pelo menos. Em França, por exemplo, já é obrigatória a colocação de coberturas ajardinadas, mediante algumas condições, “o que é uma solução fantástica, tanto no que se refere ao conforto térmico do edifício, como na contribuição para a redução da ilha de calor que se faz sentir nas cidades”, frisa

Reconhecendo que Portugal está “a dar uns passos em frente” na construção sustentável, Aline Guerreiro considera “que são ainda insuficientes”. Acusa mesmo que a falta de conhecimento, até dos profissionais do sector da construção para a sustentabilidade é gritante. “Visitamos todos os meses ateliês de arquitetura, com obras em curso, que não sabem, nem nunca ouviram falar de conceitos básicos sobre construção sustentável”, desabafa a responsável do PCS.

economia@expresso.impresa.pt

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